sábado, 17 de dezembro de 2011

SE FOR DIRIGIR, BEBA TODAS


Há diversos paradoxos para se enumerar nesta vida. Por exemplo: a dicotomia entre deus e o diabo, a peleja entre o bem e o mal, conforme magistralmente mostrado na prosa do escritor médico Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas”. Uau! Que livro!
Não somente as autoridades advertem, mas, as próprias cervejarias recomendam (forçadas pelo tacape da lei), ao final de suas belas peças publicitárias repletas de garotões sem barriga e mulheres jovens saradas: “Se beber, não dirija”. 
No fundo, no fundo, os telespectadores ficam imaginando que, ao tomarem cervejas das marcas xis ou ipissilone, ficarão tão felizes e atraentes quanto aquelas personagens sorridentes da telinha. Pior que, às vezes, a metamorfose alcoólica prevalece e nos tapeia. Feiosos viram galãs. Barangas transformam-se em princesas. Tudo não passa de ilusão e fantasia. É fato: ninguém sai melhor depois de um porre. 
Gosto de ouvir o doutor televisivo Elsimar Coutinho em suas palestras e entrevistas, por causa da inteligência, sarcasmo, bom humor, cultura vasta e coragem ao defender os seus pontos de vista quase sempre polêmicos. Não é incomum que ele seja criticado (e invejado) por seus pares de jaleco, devido ao falatório, à verborragia, opiniões nem sempre referendadas pela comunidade científica. 
Já presenciei algumas falas do ilustre médico baiano. A última ocorreu no feriado, durante o Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia, na chuvosa e friorenta Curitiba. Enquanto ensinava, divertia e convencia a seleta plateia de doutores que lotava o auditório, quanto à suposta inutilidade dos catamênios na vida das mulheres, o autor de “Menstruação: A Sangria Inútil” fez um adendo ao comentar sobre a Lei Seca e o esforço governamental para mitigar os efeitos do álcool no trânsito. 
A plateia gargalhou quando o doutor cientista comentou: “Meus caros, a mensagem está ali nas entrelinhas, ou seja, se beber, não dirija. Agora, se não for dirigir, beba tudo o que conseguir”. O comentário ironizava as autoridades brasileiras que permitem ampla e indiscriminada propaganda de bebidas alcoólicas nos meios de comunicação, principalmente, na televisão, atingindo homens e mulheres de todas as idades. Não se pode negar que os mais afetados pela sedução do marquetingue sejam os jovens, claramente esvaziados pela imaturidade. 
Uma das fases da minha vida em que mais me diverti foi quando tinha quinze, dezesseis anos de idade, e frequentava as festinhas de debutantes. Naquela época, a covardia morava em mim, de tal forma que a espera pela próxima música romântica, após tantos embalos de dance-milziqui, transformava-se numa verdadeira tortura. Quem chamar pra dançar? Será que ela vai dizer “não”? Sim. Elas disseram “não” inúmeras vezes. Fazer o quê? Continuei dançando as alienantes canções dos Bi-Dis. 
Tenho um filho adolescente que está passando pela famosa fase de caça aos bailes de debutantes. Nas minhas idas e vindas com ele, nos meus traslados noturnos pela cidade, constatei várias vezes que a garotada anda bebendo desregradamente. Sem controle eficaz dos adultos, especialmente dos pais anfitriões, a galera se encharca com uísque, vodca e tequila, como se fossem suco de groselha. E pensar que fui tomar cerveja só depois de entrar na faculdade... 
Nestes regabofes grã-finos é corriqueira a presença de “tequileiros profissionais” que cospem fogo e executam performances etílicas com a participação dos jovens, fazendo com que eles ingiram a bebida através de um funil colocado em suas bocas. 
Depois de regarem a goela do adolescente com bebida destilada, o “tequileiro” chacoalha a cabeça da “vítima”, que mal consegue se levantar da cadeira, enquanto a multidão presente aplaude o ato e ri à beça. E olha que os pais pagam caro para que esses “animadores de festa” embriaguem a molecada e divirtam os convidados.   
Nem dá mais pra contar nos dedos quantas vezes me deparei com adolescentes cambaleantes vomitando nas portas das boates, nas calçadas das residências ou nos pisos de granito dos suntuosos salões de eventos. 
Certa vez, levei um susto quando um sujeito descabelado adentrou uma festa trajando pijamas, dirigiu-se ao toalete feminino e saiu com a filha desmaiada no colo. Apesar do ligeiro constrangimento dos que ainda se encontravam sóbrios, a festa prosseguiu animada, enquanto uma equipe médica da UTI móvel se ocupava em retirar a moça do coma alcoólico. 
Parece conversa de bebum, outro contrassenso, mas ainda acho elegante e sensato quando meu velho pai diz que “é preciso saber beber com classe”. Enquanto tomávamos uns goles na varanda, fomos falando das experiências de cada um, comparando “como eram as coisas na minha época”. Sexo, bebida, cigarros, drogas, carros. E tudo o mais de supérfluo que interessa a um ser humano jovem, criatura movida pela curiosidade e pela necessidade de se movimentar em bandos. Por fim, ambos chegamos à conclusão que “na minha época a vida era bem melhor”. Então terminamos o répi-auer intimista com mais um insolúvel dilema. 
É possível que, passados uns trinta anos, ao celebrarmos com muita saudade a memória de meu pai, eu e o meu filho tomaremos alguns goles de uma bebida inebriante qualquer (possivelmente lícita aos olhos hipócritas da sociedade futura), a fim de também compararmos as nossas juventudes. Certamente, construiremos uma contradição novata e dormiremos com aquela dúvida que jamais se cala: aonde vai parar esta juventude?

Eberth Vêncio

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