domingo, 13 de novembro de 2011

A ARTE E O MARKETING

Por Flávio Paranhos

Quando Williams-Sonoma lançou no mercado uma máquina de fazer pão (por U$ 275,00), a maioria dos consumidores não quis nem saber. O que, diabos, seria uma máquina de fazer pão, afinal de contas? Era boa ou ruim? Alguém precisava mesmo disso? Por que não comprar, em vez disso, uma boa cafeteira na prateleira ao lado? Frustrado pelas baixas vendas, o fabricante contratou uma firma de marketing, que deu a seguinte sugestão: lance outra máquina de fazer pão, só que maior, e cobre 50% a mais por ela. O fabricante acatou a sugestão e as vendas aumentaram significativamente. Por quê? Só porque agora os idiotas (desculpe, consumidores) tinham dois modelos entre os quais escolher. Como agora havia dois modelos, eles não precisavam tomar sua decisão no vácuo, sem referências. E aí maioria escolhia a menor.” 
“Na época não havia mercado para pérolas negras taitianas. Mas Brouillet persuadiu Assael para entrar no negócio com ele. Juntos, eles colheriam as pérolas negras e as venderiam ao mundo. Mas, num primeiro momento, sua intenção falhou. Ninguém queria saber das feias pérolas negras. Assael poderia ter desistido, poderia tê-las vendido por um preço baixo, ou as enfiado goela abaixo do consumidor, misturadas com as brancas. Mas fez diferente. Esperou um ano, e pediu a um amigo joalheiro famoso que colocasse um colar de pérolas negras na vitrine de sua loja na Quinta Avenida, com uma etiqueta com preço indecentemente alto. Ao mesmo tempo, comprou um espaço publicitário de página inteira em revistas importantes, com a imagem de pérolas negras brilhando, no meio de diamantes, rubis e esmeraldas. Pronto. Daí em diante, pérolas negras podiam ser vistas nos pescoços de divas milionárias em Manhattan.” 
“Aloce M. Isen e Paula Levin observaram, num experimento, que, quando você deixa cair seus papéis em frente a uma cabine de telefone num shopping, você tem muito mais chances de que alguém te ajude a catá-los se esse alguém acabou de encontrar uma moeda esquecida no telefone. (...) Robert Baron e Jill Thomley demonstraram num experimento que você tem mais chances de conseguir trocar seu dinheiro, se solicitar a pessoas em frente de uma padaria cheirosa do que em frente a uma loja sem cheiro. Em nenhum desses exemplos ou vários outros semelhantes os participantes se deram conta de que suas ações foram influenciadas por tais fatores externos, e aparentemente não-relacionados.” 
“Certa ocasião, John Bargh e colaboradores fizeram um experimento de “priming” na New York University. Deram a um grupo de estudantes uma lista de palavras para lerem. Numa delas, havia, espalhadas entre palavras neutras, algumas negativas (como “agressivamente”, “rude” e similares). Na outra, positivas, tais como “consideração”, “paciente “, “respeito” , etc. Em nenhum dos casos havia muitas palavras semelhantes para não “entregar o ouro” aos estudantes. Pois num experimento de “priming” é condição sine qua non que o participante não perceba. Após fazerem essa leitura, os estudantes eram orientados a ir a outra sala e perguntar pro pesquisador qual seria sua nova tarefa. Acontece que a nova tarefa era justamente essa. Ao chegarem na outra sala, eles encontrariam alguém bloqueando a passagem e conversando com o pesquisador por dez minutos. Aqueles que leram a lista “negativa” interrompiam a conversa, já os que leram a positiva, esperavam pacientemente a conversa acabar.” (p.53) 
“As pessoas não se dão conta do quanto o que está à sua volta afeta suas decisões. (...) Profissionais de marketing possuem vários modos de manipular seus módulos.” 
Esses cinco trechos são uma tradução minha (quase livre, com alguns toques criativos, se me perdoam) dos seguintes livros: (1) e (2) “Predictably Irrational”. “The hidden forces that shape our decisions”. Dan Ariely, Harper Collins, 2008, p.14-15 (1) e p.24 (2). (3) “Experiments in Ethics”, Kwame Anthony Appiah, Harvard University Press, 2008, p. 41. (4) “Blink. The Power of Thinking Without Thinking”, Malcolm Gladwell, Penguin Books, p. 53 (Kindle Edition). (5) “Why is everyone (else) a Hypocrite. Evolution and the Modular Mind”. Robert Kurzban, Princeton University Press, 2010, p. 66.  
Não há como não lembrar deles quando se lê a excelente matéria da revista “Bravo”! desse mês – “Os 7 mandamentos da arte. O que dá prestígio, dinheiro e fama a um artista”, de autoria de Gisele Kato. E quais seriam os sete mandamentos? 1 — Amarás o mercado sobre todas as coisas. 2 — Não precisarás dominar a técnica. 3 — Aprenderás a falar sobre seu trabalho. 4 — Pertencerás a uma galeria. 5 — Participarás de feiras de arte. 6 — Conhecerás curadores. 7 — Viverás como uma celebridade. Eu acrescentaria ainda: 8 — Orbitarás em torno de novos-ricos. 9 — Ficarás amigo de potenciais Andys Warhols e darás para eles, se os apetecer. 10 — E ficarás amigos de alguns jornalistas. Pronto. Assim fica melhor. Arredondamos pra dez mandamentos. 
Também não há como não lembrar quando vemos as “obras de arte” que ilustram a matéria, particularmente a da página 27 — uma boia de golfinho (dessas que se compra nas ruas de Caldas Novas) e panelas dependuradas, do gênio Jeff Koons.  Note que estou sendo sincero quando o chamo de gênio. É preciso ter uma inteligência fora do comum pra fazer de idiotas um bando de gente. Gente disposta a pagar fortunas e/ou expor suas “obras” em museus para que nós, pagadores de ingressos, “apreciemos”. Somente um gênio do marketing pra conseguir convencer os bocós (como os há, meu Deus, como os há!) de que ele vale alguma coisa. 
Note também que não caí na armadilha de dizer que o que Koons e semelhantes fazem seja arte. Morro de preguiça de argumentar quanto ao que seja ou não arte. A perspectiva de meu interlocutor será sempre de suas preferências pessoais. Uma discussão vazia e sem fim. Tenho coisas mais importantes a fazer. Por enquanto, interessa-me apenas a perspectiva do valor (em dinheiro ou fama) dado a algo que alguém chama de arte. Como uma boia de um golfinho, dessas que se compra nas ruas de Caldas Novas, penduradas no teto. 
Ou peças que mais parecem de decoração de quarto de criança, numa galeria da avenida mais charmosa de Berlim, a Unter den Linden, estrategicamente próxima ao Guggenheim de lá, obras de arte assinadas por um brasileiro, com preços indecentes (como o da pérola negra). Ou ainda no próprio Guggenheim de Berlim, a instalação de Wangeshi Mutu, com várias garrafas penduradas no teto. Ou Lee Ufan, no Guggenheim de Nova York, e seus quadros enormes brancos, com uma pincelada cinza no meio (a estupefação humana diante do infinito). Ou a coleção dos Miró do Rainha Sofia, em Madrid. Ou as catedrais de Lichtenstein contrapostas às de Monet, no Fine Arts, em Boston. Ou as enormes telas abstratas de Pollock, no Metropolitan, em Nova York (e em qualquer lugar em que haja um Pollock, pois são todos iguais). Ou, pra que viajar? Aqui mesmo em Goiânia, os... deixa pra lá. 
O que há de comum entre elas, essas obras de arte? O marketing.
(Pausa necessária: tenho uma relação ambígua com o marketing. De um lado, considero-o a maneira mais aguda de inteligência. Há peças publicitárias que, em 30 segundos, demonstram uma ironia mais cortante do que um romance inteiro de Machado de Assis ou um tratado platônico-socrático. De outro lado, considero coisa do diabo. Acredito piamente que nos porões das faculdades de marketing são sacrificados animais e humanos em rituais macabros para dominar o mundo e nossas mentes. 
Ou, por outra, o que há de diferente entre uma tela de Pollock, ou um rabisco de Basquiat, uma brincadeira de Andy, as placas de metal de Lee Ufan, as colagens e garrafas no teto de Mutu, o golfinho de Koons, a caveira de Hirst, as fotos de Cindy Sherman e a tela ‘Coucher de soleil sur l’Adriatique’, de Joaquim Raphaël? Essencialmente nada. São obras de arte, todos (já disse, não discutirei isso). Na prática, porém, há duas. A primeira, menos importante, é que Joaquim Raphaël não é uma pessoa, mas um asno chamado Lolo, que pintou o quadro com o rabo, enquanto um grupo de amigos, num bar de Paris, no início do século XX (se eu fosse espírita diria que eu estava entre eles) o distraía e trocava as cores do pincel amarrado em sua cauda. A segunda, e mais importante (muito mais importante!) é que o quadro de Lolo é muito (mas muito!) mais bacana do que os outros todos. Lembra um impressionismo fauvista (ou seria um fauvismo impressionista?) e é na verdade belo. Lolo é um gênio. Que seja literalmente asno é acidental. Melhor do que sê-lo figurativamente, como todos os demais citados. Quer dizer, estou sendo injusto. Asnos são os que estão dispostos a pagar fortunas para ter as ‘obradas’ dos citados (e muitos outros!). Não se dão conta de que estão sendo condicionados pelas circunstâncias e por mentes espertas que sabem como fazer para condicionar mentes patetas. Alguns chegam ao paroxismo de arriscar interpretações (oh, Susan Sontag, onde está você que não me ajuda?!). Mas, se Deus é magnânimo e perdoa, porque “eles não sabem o que fazem”, o Capeta, mestre dos espertos, conta justamente com isso.

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